A 6ª Vara de Família do Tribunal de Justiça do Pará – TJPA reconheceu o pedido de destituição do poder familiar e a alteração de sobrenome em uma ação de supressão de patronímico no registro civil, movida por uma mulher que sofreu abandono afetivo por parte do pai biológico.
“A autora comprovou ter sofrido grave abalo psicológico durante sua formação. Na sentença, o magistrado destacou que o nome é um direito da personalidade e representa a identidade do indivíduo como cidadão, então não seria razoável obrigar a autora a carregar um nome que não tem qualquer significado em sua vida”, conta.
A defesa do pai alegou que a retirada do nome poderia trazer riscos a terceiros. Ele também argumentou que não teria ocorrido abandono afetivo ao apresentar como prova uma carta, escrita pela filha quando ela tinha 5 anos de idade, na qual ela expressava amor por ele. Além disso, o homem afirmou ter pago pensão alimentícia à filha por um período considerável, o que, segundo ele, afastaria a alegação.
“Ainda assim, o juiz reconheceu o abandono afetivo e determinou, além da exclusão do nome do pai do registro de nascimento da autora, a inclusão do sobrenome da avó materna. A decisão também declarou extinta a paternidade”, ela afirma.
A decisão é inovadora ao possibilitar a desfiliação por reconhecer que o abandono afetivo configura motivo justo não só para a supressão do sobrenome, mas também para a extinção da relação paterno-filial por completo.
“Uma decisão como essa coloca o filho abandonado como protagonista de sua própria vida, oferecendo-lhe a oportunidade de reescrever sua história e apagar as marcas do abandono sofrido na infância. Além disso, permite que ele deixe de transmitir aos próprios descendentes algo que não o representa e que não lhe traz boas lembranças”, ela avalia.
Entenda o processo
Inicialmente proposta apenas para retirar o sobrenome paterno do registro civil, a ação foi modificada para incluir também o pedido de indenização por danos morais devido ao abandono afetivo. No entanto, o prazo para solicitar a reparação prescreveu, então o juiz delimitou a análise à retirada do sobrenome paterno do registro e decidiu pelo julgamento antecipado da lide, ou seja, que não requer mais provas ou audiências para acontecer.
A autora não recorreu da decisão e reajustou o pedido para focar somente na exclusão total das informações relativas à filiação paterna no registro civil. Sendo assim, o objetivo principal da ação passou a ser a retirada completa do sobrenome e quaisquer outras referências ao pai no documento.
“Há diferença significativa entre um pedido de exclusão do sobrenome paterno (retirada do sobrenome do pai do nome do registrado) e um pedido de exclusão do nome do pai do registro civil de nascimento. No primeiro caso, trata-se de ação de supressão do patronímico, sem que seja excluído o nome do pai do registro civil. No segundo caso, a ação cabível é a de ‘destituição paterna’, cujo objetivo é a exclusão dos dados alusivos à filiação paterna do registro civil”, explica o magistrado, na sentença.
A decisão considera possível excluir a filiação paterna do registro civil com base no princípio da dignidade da pessoa humana, especialmente em situações em que a relação entre pais e filhos foi inexistente ou marcada por abandono e ausência de laços afetivos.
“Nesses casos, a realidade fática deve preponderar sobre a formalidade, atendendo-se aos anseios daquele ou daquela que, por suas convicções íntimas e pelo passado que não consegue apagar de sua memória, prefere ver o vazio quanto aos dados da paternidade em seu registro civil, ao preenchimento desse campo com dados daquele que lhe trouxe dissabores”, diz a sentença.
O magistrado julgou a ação parcialmente procedente, portanto, determinou: a inclusão do sobrenome materno no registro civil da autora, atendendo ao pedido feito por ela; a desconstituição da filiação paterna, ou seja, o vínculo jurídico com o pai foi anulado; e a exclusão dos dados referentes à paternidade de seu registro civil.
Com informações do IBDFAM.